quarta-feira, novembro 30, 2005

Oremos

Meus filhos:
Porque deixais que os políticos, esses charlatães, vos desassosseguem nas vossas justas vidas, como pessoas de bem que sois, vindo vociferar profanidades que não deveriam ser proferidas à luz do Senhor, sobre matérias que não são para os vossos ouvidos inocentes e que não poderiam senão manchar as vossas almas? Porque escutais as suas línguas de serpente, correndo até o risco de que tais indecências se introduzam nas mentes dos vossos pequeninos, pondo nas suas doces cabecitas loiras ideias perniciosas que não poderiam senão desviá-los do caminho da rectidão? Não tendes vós um homem como o Professor Aníbal Cavaco Silva, quase um santo, que, através de uma prática de muitos anos de retiro, contemplação, abnegação e sacrifício, conseguiu alcançar a fé e a força moral necessárias para lidar com tais questões vis, permanecendo intocado e acima da tentação? Não virá ele se o chamardes, pronto a descer da sua torre de marfim, onde hoje o rodeiam e aconselham os anjos e os querubins, pronto a arregaçar as mangas, a calçar as luvas e as botas de borracha e a varrer das vossas vidas toda essa imundície, aceitando sobre os seus ombros o pesado fardo de vos guardar, com a sua espada flamejante, dessa mulher escarlate, dessa meretriz da babilónia, que é a política?
Estou certo, que, como eu, ansiais pelo dia em termine esse ímpio gasto nas campanhas eleitorais, em que os falsos profetas, cujo único objectivo é alimentarem os seus sórdidos vícios à custa do erário público, consomem os vossos arduamente ganhos pés-de-meia em orgias de mentira, em luxúrias de tempos de antena, folhetos e outdoors (em cujas cores flamejantes se vê já o brilho das chamas do inferno), negando o amparo às viúvas e aos orfãos e, mais revoltantemente ainda, o vosso direito, dado por Deus, a não pagar impostos e a usar o dinheiro para receberdes toques para os vossos humildes telemóveis. Tereis talvez também a secreta esperança de que chegue o dia, ainda mais longínquo, em que um homem verdadeira e totalmente santo, que fale com a voz de Deus (como já houve), venha e suprima, ou pelo menos torne menos frequente, essa outra despesa atroz, essa porta aberta à incredulidade, que é o acto eleitoral em si, acto pecaminoso por excelência em que é permitido aos fracos duvidarem da escolha da maioria silenciosa, da escolha do Senhor, e que não faz mais do que perturbar a Divina Estabilidade.
Mas, sei-o bem, esse dia ainda está longe, e os fiéis ainda não reuniram as forças necessárias para alcançar essa derradeira vitória sobre as forças demoníacas da democracia. Mas, até lá, rezai: Ajoelhai-vos e pedi; pedi, pedi muito a esse bom homem que é o Professor Aníbal para que vos venha salvar. Humilhai-vos e votai. O Senhor precisa de vós. Dai ao Professor Aníbal forças para que, em conjunto com os poucos homens justos (que também os há) nessa Sodoma que é a assembleia, possa, só Deus sabe, corrigir a perversidade do assim-chamado "sistema eleitoral" que permite que os pagãos e os ateus, à margem da maioria que é o rebanho do Bom Pastor (maioria silenciosa que expressa também, e sempre tão vocalmente, o seu anseio de pureza através da abstenção), tenham no parlamento a voz que Deus não lhes destinou.
Para que não vacileis na vossa fé, o Professor dar-vos-á um sinal: no nosso Natal, essa santa época, ele escorraçará os vendilhões do templo! Digo bem: de 22 de Dezembro a 2 de Janeiro, o Prof. Aníbal Cavaco Silva suspenderá a humilde campanha eleitoral a que se viu relutantemente obrigado por um sistema pernicioso. Irá assim preservar a dignidade desta época consagrada ao Senhor (que inclui a mui santa festa da Divina Passagem de Ano) e apontar um dedo acusador aos prestamistas do voto que a querem profanar com as suas torpezas. Dará ainda ânimo aos fiéis dentre os profissionais da comunicação social (que tanto têm feito, abençoados sejam, pelo nosso paladino da decência), para que mais possam denunciar a baixeza desses candidatos do demo e, de seguida, consigam reunir a necessária fortaleza espiritual para, pelo menos durante algo tempo, fazer ouvidos moucos aos seus esforços espúrios (o que normalmente lhes é vedado por uma falsa moralidade que não vem do Senhor e que se ri, escarninha, das directrizes do Santo Mercado). O Professor Cavaco Silva afastará de si, por este meio, esses apóstatas viperinos (que, em escandalosos "debates", o tentarão fazer revelar o plano divino para Portugal que lhe foi transmitido pelo Espírito Santo e que, como sabeis, só a Deus pertence) e não lhes permitirá que, ao obrigá-lo a descer ao seu nível, perturbem, pelos seus sofismas, o seu contido semblante e façam parecer que a Palavra do Senhor lhe fraqueja nos lábios (e a este respeito, meus filhos, queria dizer-vos: vejais vós o que virdes, mantende a vossa fé! Tudo o que vos possa parecer que vedes nos vossos singelos ecrãs de televisão não serão senão truques e maquinações conjuradas por magos e feiticeiros, e qualquer dúvida que se insinuar no vosso espírito, acerca das capacidades do nosso bem-amado protector para desempenhar o cargo que todos almejamos alcance, ou sobre a iminência da sua triunfante victória, ter-vos-á sido sussurada ao ouvido pelo próprio demónio!). E esta prática é sancionada pelas escrituras: pois não aproveitava São Lopes, esse querido beato, agora tristemente afastado de nós em mais uma pregação no deserto, da qual o mais certo é nunca regressar, a mínima oportunidade para se afastar da iniquidade da campanha eleitoral e se devotar de corpo e alma ao Senhor? Tudo lhe servia, e é esta a prova, pela humildade, de que era um homem santo...
Atentai no sinal! Nessa altura, uma trombeta soará e o céus abrir-se-ão, e descerá novamente sobre Portugal uma era de respeito e decência, em que o Professor Doutor Aníbal António Cavaco Silva arrancará a política às mãos dos impuros e precipita-la-á nos círculos inferiores do inferno, ao mesmo tempo que vos alivia das pesadas responsabilidades com que tão injustamente tendes arcado todos estes trinta e um anos de impiedade. Sabereis então que a instauração do Reino do Senhor na Terra está para breve!
Oremos, meus filhos, oremos.