segunda-feira, junho 11, 2007

Alcochete II

Quem tiver assistido à abertura dos noticiários viu como as televisões privadas se apressam já a aclamar Alcochete como o ovo de Colombo das localizações do novo aeroporto de Lisboa, quase como um facto consumado. Mostram-nos também a exultante população local, que por sinal deve ser bastante reduzida, uma vez que a mesma senhora apareceu em dois canais diferentes a expressar muito articuladamente as grandes esperanças que tem depositadas na chegada da nova estrutura. A TVI tem mesmo já uma sondagem, em que aos inquiridos foi dada a alternativa entre a Ota e Alcochete. Por mais que uma preocupação de imparcialidade e a necessidade de recuo crítico aconselhem o cepticismo, e a dimensão da rede de conivências e do esforço sustentado que por trás se adivinham suscite a nossa descrença, parece, ou não parece, tudo isto orquestrado?
Vejam o post anterior.

Alguns apontamentos sobre a localização em Alcochete, para quem tem cabeça para mais do que debater camelos e desertos:
Não nos devemos deixar levar pelo argumento de que a colocação do aeroporto nos terrenos do campo de tiro de Alcochete não teria implicações ambientais, porque a área estaria já destruída, e a ser desaproveitada, pela sua utilização militar. Por muito estranho que isso possa parecer, os danos ambientais provocados numa área de tiro, mesmo sujeita a usos tão extremos como o bombardeamento, só com dificuldade poderão ombrear com a destruição causada pela construção e o desenvolvimento urbano. As zonas militares interditas estão sujeitas a perturbações pontuais e localizadas, que, se bem que severas, no cômputo final poderão ser inferiores às que uma área aberta e sem protecção vai acumulando ao longo do tempo. São mesmo muitos os casos em que as extensas áreas reservadas, nos Estados Unidos, a usos militares actuam ao mesmo tempo, de alguma forma, como uma protecção parcial da vida selvagem local, e como tal são tidas em conta. E que não se veja nisto qualquer forma de apologia do uso do território na promoção do militarismo e da guerra, o que não poderia estar mais longe dos meus objectivos. Faço apenas notar que, tal como alguns especialistas hoje referiram, a área do campo de tiro de Alcochete apenas não tem o estatuto de reserva pelo facto de o dito campo, erradamente, ainda lá se manter. Penso que isto demonstra o meu raciocínio anterior, acerca da importância ecológica da área.
Devemos também não esquecer, na discussão das possíveis localizações do novo aeroporto e do seu impacto ambiental, que grande parte deste virá, com certeza, não das estruturas aeroportuárias a ser construídas, mas do desenvolvimento urbano que concomitante e inevitavelmente se produzirá em seu redor, fazendo a degradação ambiental espalhar-se pelas áreas circundantes. E o que é que há em volta do campo? A reserva natural do Estuário do Tejo. Seria fácil perder de vista este crescimento urbano, ou mesmo promover propositadamente o seu escamoteamento. É aí que se jogam os interesses especulativos a que aludi no post anterior. São por isso ridículos argumentos acerca de como o aeroporto caberia no campo de tiro, em terrenos do estado, impossibilitando assim a especulação imobiliária, ou que, numa área específica, apenas acartaria o abate de eucaliptos. O que está em causa é o alastramento da área urbana de Lisboa para zonas antes praticamente intocadas; isto, ironicamente, note-se, no momento em que, com eleições a aproximar-se, se discute o problema da desertificação do centro da cidade.