terça-feira, junho 05, 2007

Os Direitos Não São um Privilégio: Resposta a Miguel Sousa Tavares, na TVI

Tem-se vulgarizado ultimamente, na boca dos verdadeiramente privilegiados, um certo lugar-comum, uma resposta pronta sempre disponível para com ela se turvar as águas quando alguém se insurge, protesta ou luta contra a crescente desregulação das relações laborais, imposta pelo sacrossanto modelo neo-liberal; chega até a ser oferecida, relutantemente, por alguns dos que dizem estar a tentar "minorar" os efeitos dessa mesma desregulação: os trabalhadores que ainda têm direitos, e que os defendem, são egoístas, tiram o pão da boca aos que já quase não os têm.
Este raciocíno pode ser aplicado tanto à escala nacional, aos trabalhadores sindicalizados, com direito à greve, com contratos colectivos, com segurança social, por oposição ao precariado e aos desempregados, como à escala internacional, na comparação das populações do mundo desenvolvido (em especial as da Europa, cujo "modelo social" tanto incómodo causa ao liberalismo à solta) com as dos países pobres.
A ideia por detrás deste raciocínio, obviamente não explicitada, pois não convém tornar o nosso argumento demasiado claro, não fossem as suas fragilidades tornar-se aparentes, é a de que os direitos são um "luxo", e que a minoria que os (ainda) tem os conseguiu à custa da maioria. Este "meme" pré-fabricado, pronto a apresentar por quem quer que queira negar a alguém qualquer direito básico, adquire a sua aparência de plausibilidade do facto de retirar totalmente da equação quem realmente põe e dispõe dos direitos laborais e se aproveita do produto do trabalho, tornando-se a apropriação pelo capital das mais-valias intocável e apriorística, mesmo invisível, e reduzindo-se o problema a um sistema fechado em que só existem os trabalhadores, a quem apenas resta lutar entre si pelas migalhas. Na verdade, o argumento equivale precisamente ao seguinte: o de que numa sociedade em que a escravatura impere, os poucos homens livres deverão abdicar da sua liberdade e entregar-se de pés e mãos atadas aos donos de escravos, de modo a que estes, libertos do encargo dos salários (baixos como estes serão, inevitavelmente, numa tal sociedade) que se vêem obrigados a pagar aos últimos, e essenciais, trabalhadores livres, se dignem dar mais uma colher de arroz ou menos uma chicotada aos escravos que já detinham...
Penso que será escusado dizer que a solução do problema passa, não por aqui, mas pela simples abolição da escravatura...